Atraso em premiação gera insatisfação

 

O Corinthians, uma das principais potências do futebol feminino na América do Sul, enfrenta mais uma vez um episódio delicado nos bastidores administrativos. O clube voltou a atrasar o pagamento das premiações prometidas às atletas pela conquista da Conmebol Libertadores Feminina de 2024, título celebrado com grande orgulho por torcedores e integrantes do elenco. A situação, que já vinha sendo motivo de insatisfação entre as jogadoras, voltou à tona após a não quitação da parcela referente ao mês de abril, que deveria ter sido paga no último dia 10.

 

A denúncia foi feita à página “Fut das Minas”, referência na cobertura do futebol feminino brasileiro, por uma atleta do elenco campeão. Optando por preservar sua identidade, a jogadora revelou detalhes do acordo feito com a diretoria e expressou o crescente descontentamento entre as colegas diante da recorrente falta de comprometimento do clube.

 

Segundo a atleta, o pagamento das premiações foi inicialmente prometido em parcela única, mas acabou sendo renegociado em seis parcelas mensais, com vencimento previsto para o dia 10 de cada mês. No entanto, o Corinthians não tem honrado com o combinado. “A única coisa que eles não têm cumprido com a palavra é em relação ao bicho do ano passado, que demorou a ser pago, e, quando a cobrança excedeu o limite, resolveram parcelar em seis vezes, com pagamento todo dia 10, e nada… Todo mês é uma desculpa pelo atraso. Mês passado foi por conta do carnaval, e, até agora, este mês nada foi dito”, relatou.

 

O caso não é isolado. Fontes ligadas ao departamento feminino revelam que atrasos em pagamentos de bonificações já ocorreram em outras temporadas, mas a situação atual tem gerado mais desconforto por envolver um título de grande expressão continental, além de expor publicamente a desorganização interna do clube. A ausência de uma comunicação institucional eficaz e transparente contribui ainda mais para o sentimento de frustração entre as atletas.

 

Segundo apuração da própria página “Fut das Minas”, a última atualização enviada às jogadoras aconteceu por meio de uma mensagem no aplicativo WhatsApp. A comunicação, considerada informal e insuficiente diante da gravidade do tema, informava apenas que um montante estaria prestes a entrar no caixa do clube, permitindo o pagamento de uma das parcelas em aberto. A promessa era de que o valor estaria disponível até a primeira semana de maio, mas até o fechamento desta reportagem, não havia confirmação de que o depósito tivesse sido efetuado.

 

Pela conquista da Libertadores de 2024, o Corinthians recebeu da Conmebol a quantia de US$ 2 milhões, valor equivalente a aproximadamente R$ 11,6 milhões na cotação da época. Parte dessa premiação foi destinada ao elenco campeão, com um valor individual de cerca de R$ 175 mil para cada jogadora, segundo informações do Fut das Minas. Ainda assim, as jogadoras continuam aguardando o cumprimento da promessa, enquanto lidam com incertezas e a falta de previsibilidade quanto ao recebimento.

 

A situação expõe uma contradição incômoda. Embora o clube tenha colhido prestígio internacional e ampliado sua visibilidade com o título continental, internamente a estrutura de gestão financeira e administrativa segue deficiente no que diz respeito ao tratamento igualitário e profissional das atletas do futebol feminino. A discrepância entre o discurso institucional e a prática cotidiana tem gerado crescentes críticas por parte de torcedores, imprensa especializada e movimentos em defesa da equidade no esporte.

 

Além da questão do pagamento da premiação, outro ponto que tem gerado ruídos nos bastidores do departamento feminino é a recente nomeação de Carlos Roberto Elias para integrar a diretoria. Até o momento, o clube não realizou qualquer anúncio oficial sobre sua chegada, tampouco houve uma apresentação formal do novo dirigente às atletas e comissão técnica. Segundo apuração do portal “Meu Timão”, Elias sequer se apresentou ao grupo desde que seu nome começou a circular internamente como parte da reestruturação do setor.

 

Apesar da chegada do novo dirigente, a atual diretora Íris Sesso, funcionária do clube desde março de 2023, permanece à frente das funções administrativas do departamento. Internamente, ela passou a ser tratada como “executiva” da pasta, o que indicaria uma divisão de funções com o novo integrante. Entretanto, a falta de clareza sobre os papéis e competências de cada dirigente apenas intensifica o clima de instabilidade e insegurança entre as atletas.

 

Íris Sesso segue exercendo suas atividades de maneira remunerada, conforme vínculo empregatício formal com o clube. Por outro lado, Carlos Elias, conforme informações divulgadas, atuará sem vínculo contratual com o Corinthians, o que levanta questionamentos sobre sua real função, nível de responsabilidade e envolvimento com as questões do futebol feminino. O departamento também conta com a ex-jogadora Grazi, ícone do futebol feminino nacional, que exerce atualmente o cargo de diretora-executiva e atua como ponte entre elenco, comissão e diretoria.

 

O cenário revela um contexto preocupante para um clube que é frequentemente apontado como modelo de excelência no futebol feminino. O Corinthians foi tricampeão da Libertadores (2017, 2019, 2021 e agora 2024) e campeão brasileiro em diversas oportunidades, mantendo por anos a hegemonia da modalidade no país. No entanto, esse sucesso dentro de campo contrasta com uma série de falhas estruturais fora dele.

 

A recorrência nos atrasos de premiações e a falta de planejamento administrativo demonstram que ainda há um longo caminho a ser percorrido para que o clube atinja um padrão de excelência que vá além das quatro linhas. Não se trata apenas de remunerar atletas por suas conquistas — trata-se de reconhecer e valorizar o profissionalismo, o esforço e a dedicação de um grupo que, ano após ano, eleva o nome do Corinthians no cenário esportivo internacional.

 

Especialistas apontam que a ausência de uma estrutura sólida, com diretrizes claras, comunicação transparente e compromisso ético, acaba por comprometer não só a confiança das atletas, como também a imagem institucional do clube. Num momento em que o futebol feminino ganha cada vez mais espaço, patrocínios e audiência, a má condução de questões básicas como o pagamento de prêmios coloca em xeque o comprometimento real das instituições com o desenvolvimento da modalidade.

 

Além disso, o episódio escancara a diferença de tratamento entre os departamentos masculino e feminino. Embora o clube frequentemente utilize as conquistas do time feminino em suas ações de marketing e comunicação institucional, a realidade enfrentada pelas atletas segue marcada por negligência e promessas não cumpridas.

 

É importante ressaltar que o pagamento de premiações por títulos conquistados não é um favor, mas uma obrigação contratual e moral. O não cumprimento desse compromisso pode, inclusive, abrir espaço para medidas legais por parte das jogadoras, além de prejudicar o ambiente interno, desmotivar o elenco e afetar o desempenho esportivo ao longo da temporada.

 

O movimento por mais profissionalismo e respeito no futebol feminino não é recente. Diversas jogadoras, ativistas e jornalistas esportivos vêm denunciando práticas como atrasos salariais, premiações descumpridas, estruturas precárias de treino e ausência de representação institucional efetiva. A luta por igualdade vai além do discurso e exige ações concretas por parte dos clubes, federações e patrocinadores.

 

No caso do Corinthians, que se orgulha de ter uma das maiores torcidas do país e um dos departamentos femininos mais vitoriosos da América do Sul, é urgente que medidas sejam tomadas para corrigir o rumo e reestabelecer a confiança entre diretoria e atletas. O respeito à palavra dada, o cumprimento dos compromissos assumidos e a valorização do elenco são pilares fundamentais para sustentar o legado construído nos últimos anos.

 

Enquanto isso, as jogadoras seguem treinando, representando o clube com profissionalismo e dedicação, mesmo diante da incerteza sobre quando — ou se — receberão o que lhes foi prometido. E, mais uma vez, a força do futebol feminino corinthiano se apoia, sobretudo, na resistência de suas atletas.